sexta-feira, 3 de maio de 2013

coisas do silêncio que ensurdecem

reparo aqui e ali, por onde passo e pelo que escuto, um conjunto de atitudes que me constrangem, enervam e assustam, tudo ao mesmo tempo; 
as atitudes dizem respeito a um silêncio adoptado por opção e não por imposição, um murmúrio de forma a que não nos oiçam, um sussurrar de forma a passarmos despercebidos, uma troca rápida de olhares e um falar em andamento de forma a que não nos vejam; 
ninguém nos manda calar, ninguém nos manda falar mais baixo, ninguém nos controla; assumimos, por que queremos, esse silêncio que mais não é que omissão;
assumimos nós mesmos a forma mais profunda e entranhada do despotismo e de censura, aquela em que calamos sem que nos digam, aquela em que omitimos, sem que nos perguntem; 
entramos, sinto por onde passo e por aquilo que vejo, formas de autocensura que julgava banidas, vejo silêncios que pensava ultrapassados; 
constrange-me, aflige-me este clima de autocensura, forma dérmica de nos corroermos por dentro, de nos amargurarmos e dizermos que está tudo bem, quando não está; brincamos com o inócuo, escrevemos coisas assépticas, bailamos, cantamos e divertimo-nos como se de fingimento se tratassse, enganamo-nos a enganar os outros; 
retomamos a ideia fatídica do destino, como algo inolvidável, inevitável; como se o destino nos definisse e não fossemos nós a definir o destino;
e ninguém nos manda calar, ninguém nos proíbe de nada, somos nós mesmos o produto e o produtor dos nossos fantasmas; 
aparentemente ainda não conseguimos 
abolir a divisão ao par poder-saber/pobreza-ignorância do tempo do salazarismo. Porque na sociedade actual, o medo, a reverência, o respeito temeroso, a passividade perante instituições e os homens supostos deterem e dispensarem o poder-saber não foram ainda quebrados por novas forças de expressão da liberdade. Numa palavra, o Portugal democrático de hoje é ainda uma sociedade de medo. É o medo que impede a crítica. Gil, J. (2005). Portugal Hoje - o medo de existir. Ed. Relógio D'Água. Lisboa. p.40

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