sábado, 31 de maio de 2014

escrita de fim de semana

em fim de semana, aproveito o balanço de alguma mornice e estico-me pela escrita de cariz mais ensaísta;

poderes e escola - relações em reconfiguração - podia - e é - um título para esta entrada;
começo por dizer que a escola, desde as suas mais remotas origens, teve como objetivo moldar as crianças (corpo e mente) a uma língua, a uma cultura, aos processos que num tempo e num contexto, definiram a normalidade, as regras, os preceitos do governo do coletivo; não apenas pelos conteúdos disciplinares (aquilo que se ensina nas diferentes disciplinas), como pela seleção e organização das disciplinas (os tempos, os modos, as didáticas) e, mais ainda, pelo conjunto de preocupações que cada período expressa (preocupações pela natalidade juvenil, pelas dependências, consumos ou comportamentos, seja pela ação individual e/ou de grupo onde cada um se insere);
para o cumprimento desta missão foram definidos objetivos educativos que se expressavam na ação escolar (os modos de organização da escola, os tempos letivos e não letivos, o papel da escola e dos profes na guarda das crianças, a oferta escolar e formativa, entre muitas outras dimensões); foi ainda definida uma estrutura organizacional que tem variado muito pouco desde 1976, por altura do célebre e por alguns desejado, decreto 769-A/76, designado como o decreto da gestão democrática, assente num órgão de administração (o 769-A não o contemplava e o conselho diretivo assumia ambas, só depois do 115-A/1998 se definiu a sua separação na assembleia de escola, atual conselho geral), de gestão (o conselho diretivo ou o diretor, uninominalmente) uma estrutura de supervisão ou definição estratégica, desde sempre assumida pelo conselho pedagógico;
nesta estrutura os profes estiveram quase sempre em maioria; imbuídos de um espírito de grupo, homogeneizados pela formação inicial das ciências da educação, independentemente das suas origens, formados no espírito democrático do pós 25 de abril (do nacional porrerismo, das vontades de mudar o mundo, crentes no espírito harmonioso e equilibrado do universo, na crença que a educação e a escola mudam pessoas e mentalidades), as situações de conflito e/ou litígio e/ou divergência quanto às opções e sentidos e modos de gestão das escolas foi quase sempre minimizada, desvalorizada e relegada para questões mais pessoais, de desentendimentos e não questões de política dura; mais, para a generalidade dos profes, imbuídos de um espírito de alguma colegialidade, de pretensos interesses pedagógicos (como se estes não fossem eles mesmo de natureza política) sempre afirmaram que a política ficava à porta da escola; com esta afirmação quase sempre quiseram afirmar que política era partido e não opções, escolhas que se assumiam na direção ou na gestão - e só mesmo os profes acreditaram nestas palavras, tudo o resto os contrariava, desde os conselhos locais de educação ou, posteriormente, os conselhos municipais de educação, ao papel das câmaras e vereadores na gestão dos recursos afetos às escolas, à ação das estruturas centrais ou desconcentradas do ministério;
mais, o paralelismo que desde o 769-A foi configurado à administração (de longo prazo, estratégica, de ciclos de formação) e a gestão (mais imediata, de curto prazo, de resposta direta a situações ou problemas) fez com que a dimensão política das escolhas e das opções de escola se diluísse na personalidade e nos interesses de uns quantos e existisse, inclusivamente, alguma verdade na afirmação que a política era escassa na escola, e era mesmo, porque quase que centrada na pessoa do presidente/diretor, muito dependente da sua dinâmica, dos seus interesses e vontades - evidência ontem como hoje, o processo de discussão e de decisão dos diferentes órgãos e dos diferentes temas, quantas vezes não se discutem os problemas porque se assume que é questão do diretor e se assumem as suas determinações, porque são mesmo ou acabam por ser determinações e não orientações;
mesmo depois do célebre decreto da autonomia, o o decreto lei 43/89 (que ainda não foi revogado e que, se utilizado, como argumento ou justificação na escola, criaria de certezinha algumas moengas e engulhos a alguns), que passou a definir a autonomia enquanto projeto, configurando o projeto educativo como o programa de governo de uma escola, a dimensão política se insinuou ou se estabeleceu nas escolas; primeiro porque apenas se ligou ao projeto educativo a partir do momento em que a inspeção o passou a solicitar, coisa que apenas aconteceu já bem dentro dos anos 90; depois porque com ou sem projeto, sempre prevaleceu a vontade, o interesse e o protagonismos de uns quantos, sempre muito poucos, sempre muito juntinhos - por isso mesmo hoje se mantém uma questão claramente (im)pertinente, projeto educativo para quê? isso não é só faz de conta? isso não é apenas burocracia, perda de tempo?;
estou convencido que se não tivessem existido agregações a coisa se manteria como estava; isto é, um conselho geral de faz de conta, de anuência a diatribes e (in)disposições dos diretores, órgão de brincar às assembleias; estou certo que sem agregações se manteriam as escolhas e as personalidades dos diretores como determinantes dos sentidos e das opções mais ou menos democráticas da sua gestão - por exemplo, quantos agrupamentos ou escolas têm configurado critérios, regras e procedimentos coletivos do famoso artº. 20º dos decretos leis 75/2008 e/ou 137/2012, referente às competências do diretor? a generalidade assume que isso é competência do diretor, não se mexe, não se define - é livre arbítrio do diretor, e é pena, digo eu;
contudo, o processo de agregação veio introduzir um conjunto significativo de alterações em sede da administração e da gestão; o processo de agregação permitiu destapar as dimensões políticas da gestão; dimensões essas assentes nos interesses, nos objetivos e nas preocupações individuais, sejam de pessoas ou de grupos; e é essa a dimensão política que a escola sempre teve (interesses, objetivos individuais) mas que estavam como que subsumidos - mais cego é quem não quer ver:
com as agregações surgiram novas variáveis em todo o processo; escolas básicas a gerir interesses do secundário e dos profissionais, escolas secundárias confrontadas com as mobilidades do pré escolar ou do primeiro ciclo; no meio, todo o confronto de múltiplos interesses (pais/encarregados de educação, município, técnicos, recursos, profes, funcionários, sindicatos, plataformas, pedidos e urgências daqui e dali) agora de difícil (senão mesmo e em alguns casos, de quase impossível gestão);
por via do destapar das dimensões políticas das escolas evidenciam-se conflitos e divergências entre órgãos e estruturas; mantém-se, em alguns casos e em algumas situações, a retórica que não é política, nem é pessoal, destaca-se, na justificação ou na argumentação do conflito, a divergência pedagógica, a discordância ou mesmo a divergência de interesses, mas não a sua dimensão política; ele é em muitos sítios, o conjunto de pareceres expressos pelo conselho geral a produtos e documentos oriundos do conselho pedagógico; ele é a divergência de docentes quanto a horários, serviços, funções, afazeres entre muitos outros; ele é o nível de ruído que começa a crescer e a se afirmar em reuniões, ele é o papel dos pais/encarregados de educação que se expressam de modo diferente (e mais informado), ele é a câmara que se desliga quando não assume interesse ou preocupação; ele é o isolamento em que muitos diretores estão a cair;
isso é a reconfiguração dos poderes; poderes que se alteraram significativamente, quer na sua estrutura e organização, quer na expressão dos seus objetivos; e é esta re configuração que faz com que muitos agrupamentos sejam quase ingovernáveis; hoje não chega a vontade, o interesse ou a boa vontade de um diretor ou de um vice ou assessor; hoje é manifestamente insuficiente responder a interesses (pontuais, circunstanciais, individuais) para se ganhar o silêncio; hoje é impossível fazer panelinha com amigos ou parceiros; hoje as escolas são mais que a junção de interesses e funções; não chega a experiência ou a dinâmica de um diretor; é preciso muito mais que isso, é preciso, essencialmente, assumir a dimensão política da escola; sem a presença e a assunção desta dimensão estou convencido que os diretores terão um muito mais curto prazo de vida (profissional, entenda-se) que antes, que as mudanças e as mobilidades de estruturas intermédias será mais acentuada, que o cansaço e o desprendimento mais evidente;

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